quinta-feira, 30 de abril de 2009

Atrasadas

Nos meses de março e abril estive envolvido em várias coisas, entre elas dois finais de semana do curso de montanhismo e a viagem para a França. Muita coisa acumulou e deixei de publicar algumas escaladas. A seguir farei um breve comentário para registrar aqui no blog estas escaladas em diferentes setores.

07/03 - Acho que a última vez que estive em Kalathás foi em julho do ano passado, quando recebemos a visita do Júlio. No início de março voltei com o Kostas para mudarmos um pouco os ares. Escalamos três vias fáceis e tentamos um teto registrado como um VIIIa. Não consegui fazer o teto, nem o Kostas. Não sei se a dificuldade é o teto ou as agarras extremamente doloridas necessárias para dominá-lo. Parece que estamos segurança um chumaço de espinhos. Aproveitei também para treinar com o Kostas a colocação de algumas peças móveis.

08/03 - O tempo chuvoso de domingo não foi o suficiente para nos afastar da pedra. Encaramos o Monte Várdia, Vassoúla, Anastasia, Kostas e eu. Entre um pingo e outro escalamos três ou quatro vias.

21/03 - Voltamos ao Monte Várdia, Kostas, um dos Georgios e eu. Vários americanos da base estavam lá ocupando a maioria das vias fáceis. Aproveitamos para escalar a Sikiá, uma fenda que já apareceu aqui algumas vezes. Depois disso resolvi encarar a Adelfopiísi que fazia algum tempo que eu não escalava e ainda não tinha guiado. Um sexto grau relativamente fácil, exceto pelo crux que tem uns regletes pequenos com pegada ruim levemente negativo. O dia ainda frio ajudou a dificultar a segurar nos regletes que provocavam dor nos dedos. Aproveitei para fazer algumas fotos de cima, do Kostas escalando a via. Na sequência, depois de mais de dois anos a escalada estava fluindo, tentei também a Mávri, um VI que ainda não tinha guiado. Eu que sempre disse que esta via está subgraduada, até achei que a graduação estava justa de tão tranquila que saiu. Demorou mas aos poucos estou me sentido a vontade na pedra, como há muito tempo não me sentia.

18/04 - Depois da última etapa do curso de montanhismo e uma escaladinha Walita na França, passavam-se quase um mês sem escalar para valer. Fui de novo com o Kostas e um dos Georgios (o mesmo da escalada anterior) para o Monte Várdia. Escalamos a Louki Look, uma calha de V já famosa aqui no blog e os convenci a colocarmos um top-rope na Mikrá Mistika, mas para escalar a Kourdistos Portokalis um VIsup muito legal que só pode ser feito em top-rope (ou solando).

20/04 - Para dar uma variada fomos para Kalipso. Num carro foram o Kostas, o Vangélis, o filho do Vangélis chamado Giorgos e um amigo do filho dele, o Pavlos. No meu carro, fomos Anamaria, a Manuela - portuguesa que conhecemos na universidade, e o Hélios - um Francês do couchsurfing que ficou aqui em casa. Escalei só uma três vias de graus variados, entre V e VI. E aproveitei para fazer em móvel a via 5, uma fenda quase perfeita que eu já tinha mencionado aqui no blog e que está protegida com chapeletas. O Kostas e o Vangélis escalaram outra fenda entre as vias 8 e 9. Pouco antes de ir embora eles viram que outras duas fendas muito boas possuem parada para rapel no final, mas ficou para a próxima vez.

25/04 - Dia bonito, ninguém para escalar, botei a Anamaria nas costas e fui com a mochila escalar. Aproveitei que éramos apenas Anamaria e eu, e escalei de novo a Louki Look - uma calha, a Kourdistos Portokalis - sexto grau muito legal e já vou dizer porquê, e a Mikrá Mistiká (em top-rope) - um 7a que já fiz com mais facilidade do que neste dia, levemente negativo que exige bastante equilíbrio e uso de pequenas agarras.

26/04 - Voltei a Kalipso com o Vangélis. Também apareceram lá a namorada dele e uma amiga que iam à praia. Escalei 5 vias e o Vangélis 7. Me sai bastante bem e escalei novamente a número 2, uma via negativa muito boa de escalar e que na primeira fez que escalei sugeri VIIa ou VIIb, mas agora tenho certeza que não passa de VIIa e talvez seja até um VIsup. O Vangélis ainda queria tentar as duas em móvel, mas estava ficando tarde e eu queria voltar para casa antes do anoitecer e de novo ficou para a próxima.

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um pulo em Fontainebleau

Saímos cedo de metrô para a estação Gare de Lyon de onde pegamos o trem de Paris para Fontainebleau. Levamos apenas duas mochilinhas com lanche e água, um par de sapatilhas para mim, protetor solar e os croquis. O trem que passa por Fontainebleau é bastante freqüente, nem precisamos no preocupar com o horário. Quando chegamos à estação, o trem já estava esperando e em pouco mais de dez minutos partiu. Quarenta e cinco minutos de viagem separam Paris de Fontainebleau. A viagem é agradável apesar de a paisagem a partir do trem não oferecer nada espetacular.

A chegada à estação de trem, que fica na fronteira entre Avon e Fontainebleau, foi tranquila e dali fomos andando em direção ao Castelo de Fontainebleau, a última casa de Napoleão. No caminho passamos por um parque imenso (sem blocos de escalada) que sugere um pouco como é o ambiente onde estão os blocos (boulders) de Fontainebleau. A visita ao castelo foi rápida e aproveitamos um banquinho no jardim para descansar e almoçar.

Depois do castelo passamos rapidamente no posto de informações turísticas para pegar um mapa da cidade que nos ajudaria a ir ao Mont Ussy, onde há alguns setores de escalada, dos quais me interessava o Montussienes. O Mont Ussy é provavelmente o setor mais próximo de Fontainebleau e ao que parece não muito renomado, ainda que bastante frequentado por quem quer dar uma escalada rápida. Foram a proximidade do local à cidade e o nível de dificuldade dos problemas ("vias" de escalada em boulder) que me atraíram para o Mont Ussy, além de ter como ponto de partida a cidade de Fontainebleau onde poderíamos ver o castelo (é possível escalar em Fontainebleau a partir de outras cidadezinhas da região).

Pretendíamos ir de bicicleta a partir do centro, mas o aluguel era absurdamente caro e o comércio estava fechado (ainda bem). Nesta hora fiquei contente de ter planejado ir ao Mont Ussy, caso contrário estaríamos numa situação complicada para nos deslocarmos para outro setor.

A caminhada até Montussienes levou cerca de 30 minutos, saindo do castelo, quase toda ela por calçada e no final um pouco de asfalto. Chegamos no ponto de encontro de várias ruas de areão que percorrem partes da floresta onde tem um posto florestal. Dali seguimos uma das estradas e logo entramos na trilha azul, marcada nas árvores e pedras, que ao cruzar com outra estrada marca o início dos blocos.

Esta parte da floresta lembra muito, mas muito mesmo, o Parque Florestal do Rio Vermelho em Florianópolis onde estão os campings escoteiro e da CIDASC que muito frequentei (para quem não conhece, o mais parecido que consigo pensar é a floresta no filme Bruxa de Blair), fazendo que eu me sentisse em casa. A grande diferença são os blocos que surgiram de repente e em grande quantidade.

Tenho que admitir que minha primeira sensação ao ver os blocos foi um pouco de desapontamento, esperava muito mais do tanto que se fala de Fontainebleau. Mas obviamente não esqueci que aquilo era uma porção ridícula do total e passei a me dedicar a familiarizar-me um pouco com o setor e aquecer o resto do corpo (já tinha andado mais de 30 minutos) antes de começar a escalar.

Antes de continuar com os detalhes, vou escrever um pouco sobre as informações que eu tinha disponível. A minha escolha pelo Mont Ussy e particularmente Montussienes se deu bem cedo com as informações contidas no site bleau.info. Para este setor as informações são bem completas e estão divididos basicamente em duas partes, uma com os boulders do setor Montussienes e outro com informações de outros boulders nos arredores do Mont Ussy e Roche d'Hercule. O segundo foi especialmente útil para entender onde estava a trilha (na verdade foi bem fácil), mas uma roubada para os outros setores e contarei isto depois. Em Paris, passei na livraria da loja Aux-Vieux-Campeur para ver os guias de Fontainebleau. Numa mistura de impulso e precaução (afinal podia chegar lá e alguma coisa melar Montussienes) acabei gastando uma fortuna, dada a quantidade de propaganda dentro, num guia chamado Fontainebleau Magique, que eu já tinha visto na internet e é propagandeado no site bleau.info. A escolha deste guia em relação aos outros dois disponíveis na livraria foi baseada no preço similar, no fato de ser mais recente e de ser focado em boulders de nível médio que me interessam mais do que os difíceis, bem como a qualidade do material. A capa é tosca, mas guia é bem ilustrado (a cores) com croquis muito bons. Porém, é bastante confuso nas notações que usa e nas informações de como chegar aos setores. As informações são bastante condensadas por meio de mais de 40 símbolos diferentes que acabam enchendo um pouco o saco. O Montussienes conta com três roteiros, um laranja, um vermelho e um azul. O guia contém apenas o laranja que, obviamente era o que me interessava. As informações do site continham todos os três roteiros e teriam sido mais do que suficientes, ou seja, o guia foi desnecessário ainda que interessante e me deu uma segunda chance caso tivesse que ir para outro setor.

Mas voltando ao que interessa, fiquei um pouco chocado ao ver que todos os boulders estão marcados com flechas e números com a cor do roteiro, como em diversas vias aqui em Creta. Não vou bancar o hipócrita e dizer que não gostei, afinal mesmo com os croquis, facilita muito achar o exato problema que quero escalar. Não chega a ser agressivo aos olhos, mas continuo me perguntando se esse tipo de marcação é realmente necessária.

A pedra é completamente diferente do que estou acostumado. Na maior parte predomina um tom de verde variando para tons de cinza, laranja e algumas manchas brancas. A superfície da rocha parece uma lixa bem fina, como se tivessem jogado cola e despejado areia de praia. Apesar disso a aderência é longe de ser uma maravilha. A pedra é brilhante ao sol, mas os tons das pedras e da vegetação dão um ar monótono ao local. No guia há uma explicação geológica muito interessante de como as rochas em Fontainebleau se formaram, mas minha observação pessoal e imaginação fértil levam a crer que eles estão errados e que na verdade os blocos são pedaços de dinossauros fossilizados. Em diversos blocos, muitos mesmo, a superfície parece ter gomos, como se fosse o couro de um réptil gigante. Os problemas que escalei na sua maioria ofereceram pouquíssimas agarras, imperando a aderência e o uso de covinhas na pedra e abaulados.

Cansado dos últimos dias por caminhar muito por Paris, e domir pouco e mal (albergue - Hostel Bastille - lixo) comecei a demonstrar sintomas de gripe que vieram com força no dia de Fontainebleau. Mas o clima estava ótimo e não me abalei. O dia ensolarado com uma brisa refrescante estava perfeito para escalada; algumas vezes chegou a ficar até abafado ou quente demais.

Na hora de preparar a mochila para a viagem para Paris fui minimalista e não levei nem magnésio nem sapatilha, já que pretendia comprar uma nova em Paris. O magnésio chegou a fazer falta algumas vezes e acho que poderia ter aproveitado melhor se o tivesse. Meu grande medo era não conseguir escalar por causa do aperto da sapatilha nova que calcei no albergue diariamente de quarta a domingo para já ir alargando. Felizmente não tive problemas e foi uma estréia de luxo!

Depois do breve aquecimento comecei procurando os problemas mais fáceis e baixos. A Anamaria ficou de spotter e evitei os boulders em que a queda não era na areia fofa. Ela fez um ótimo trabalho particularmente num boulder que estava com o topo molhado (e o guia indicava que isto era provável) e não consegui segurar no abaulado, onde cai de mais ou menos um metro e meio de altura num plano inclinado. Também não entrei em mais do que um ou dois negativos negativos, já que não teria condições de ir longe e preferi me poupar para tentar vários a ficar o dia inteiro me detonando em apenas um problema. Sem crash pad (colchão para amortecer a queda), pelo menos um capachinho teria sido muito útil para tirar a areia da sapatilha que eu acabava esfregando na calça mesmo. Vários cavadinhos e agarras também estavam com areia e uma sopradinha providencial antes de usá-los foi necessária.

Logo que comecei a escalar chegou um casal de duas alemoas e esperava me integrar a elas para ficar mais divertido, já que para mim boulder é uma escalada compartilhada com parceiros, e também para usar o crash pad delas, é claro. Mas elas não foram muito simpáticas e acabei não tentando nada, mas notei que elas ficaram nos observando sempre que estavam num boulder por perto. Além delas várias pessoas passaram pelos arredores fazendo exercício ou passeando.

Praticamente segui o roteiro laranja com algumas idas e vindas e pulando alguns problemas. Acho que não tentei nenhum boulder do roteiro vermelho ou do azul. Não contei, mas tentei cerca de 15 problemas, talvez mais, em duas a três horas de escalada. Não sei bem, me perdi no tempo, nos números e no espaço.

Sim, me perdi no espaço também. Depois de dizer chega ainda ousei seguir para ver outros boulders indicados no site e foi uma grande roubada. Nada de muito interessante e acabamos nos perdendo um pouco na trilha azul que passa por uma área pouco frequentada, onde parece ter sido proibido o acesso por questões de segurança (queda de galhos).

Depois da escalada voltamos para Fontainebleau com passagem por uma fonte de água para um refresco e mais uma caminhadinha até o centro. Lá nos encontramos com um casal de franceses, que contactei pelo Couch Surfing para pegar algumas dicas de como chegar, para tomarmos um suco.

Voltamos a pé para a estação, completamente abandonada, sem informação e com os banheiros trancados, e pegamos um trem de volta para Paris por volta de 21h00.

Foi legal e único, mas para sentir Fontainebleau acho que é preciso mais tempo e mais gente.

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domingo, 12 de abril de 2009

Aux Vieux Campeur e Decathlon

Chegamos a Paris no dia 1 de abril por volta de uma e meia, horário local. Depois dos atrolhos de aeroporto e deslocamento até o centro de Paris com o eficiente metrô nos alojamos no Hostel Bastille (NÃO RECOMENDO), onde tínhamos reserva.

Como o dia já estava meio perdido o planejamento não podia ser melhor. Sair da Bastille e ir caminhando até o Quartier Latin, onde estão espalhadas as 26 lojas Aux Vieux Campeur. Esta parece ser a única loja de equipamentos de aventura e esportes de inverno de Paris dada as dimensões da empresa. Na rua passei por outra loja e tinha o endereço da La Maison du Grimpeur, mas nenhuma das duas oferecia a variedade de produtos e os preços da Aux Vieux Campeur.

Cada uma das 26 lojas é especializada em algum tema, uma para mochilas, outra para escalada, outra para livros, outra para óculos e etc., e um mapinha disponível nas lojas indica cada uma delas no bairro (ver foto do mapa - em Francês). Entrei em diversas delas e tenho que dizer que o atendimento em geral deixa a desejar, os vendedores parecem entender do assunto mas não entendem nada de vendas. É difícil identificar quem é vendedor, o caixa é demorado, e a atenção ao cliente é meio dispersa e desinteressada na maior parte do tempo.

Mas a variedade de produtos é impressionante (deixou a desejar em mochilas de pequeno porte e cantis flexíveis). Tirei fotos experimentando a sapatilha e é possível ver as prateleiras com dezenas de modelos diferentes e possivelmente todas as numerações. Os preços são bons quando comparados com Brasil e Grécia, mas certamente ainda perdem feio para os EUA. Vi que em algumas lojas eles cobrem o preço do concorrente se o preço estiver mais baixo, mas não tenho certeza que seja em todas.

Outra coisa que chamou a atenção é que eles vendem como água. No pouco tempo que fiquei na loja de escalada para comprar uma sapatilha, pelo menos meia dúzia de pessoas experimentou sapatilhas. Enquanto pegava dois friends para o Kostas (ao lado do caixa) e esperava para pagar, um intervalo de 15 minutos, várias pessoas compraram sapatilhas, corda, costuras e diversos outros equipamentos.

No último dia antes do retorno rodamos Paris e aproveitamos para ir na loja da Decathlon que descobrimos onde era por coincidência quando fomos visitar a Biblioteca Nacional. Parece um galpãozão com produtos espalhados organizadamente. Os funcionários parecem não estar a disposição dos clientes, executando outras tarefas, mas são prestativos e interrompem o que estão fazendo imediatamente para atender uma solicitação de ajuda. A loja vende produtos de diversas marcas, mas principalmente a marca deles, Quechua. No Brasil não é raro ver as pessoas criticando produtos Quechua, mas em geral acho um exagero (mania de falar mal) e aproveitei para comprar algumas coisas deles (com o dinheiro que consegui de devolução do albergue lixo onde ficamos), de boa qualidade e com preço bem mais em conta do que coisas de "marca". Só para comentar, a melhor barraca iglu que tive foi uma Decathlon (acho que eles ainda não usavam a marca Quechua) para duas pessoas. E a pior que tive foi uma Ferrino que é uma marca bem mais conceituada.

É isso aí, só quis deixar minhas impressões sobre as lojas, que vendem como água, algo que não temos em Florianópolis e acho que nem em outro lugar no Brasil. Uma pena que não fotografei mais as lojas.

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Sobrevoando os Alpes

De 1 a 8 de Abril tive o prazer de ir para Paris e deixar a Grécia pela primeira vez desde que aqui chegamos há pouco mais de um ano e meio. Durante o vôo Atenas-Paris cruzamos a Itália e atravessamos os Alpes em direção à França em algum lugar entre o Mont Blanc e o Matterhorn (de acordo com o posicionamento mostrado na tela do avião).

A chegada aos Alpes foi marcada por um acender das luzes de apertar os cintos e por um aviso do piloto de que teríamos turbulência até terminar a travessia. Ainda que desagradável, a turbulência foi ofuscada pela imagem dos Alpes aparecendo aos poucos por trás de um mar de nuvens. Estávamos do lado do Matterhorn, justamente o lado que estava com céu limpo. Do lado do Mont Blanc as nuvens não deram trégua.

Nas fotos talvez seja possível identificar alguma montanha ou acidente geográfico famoso. Eu não consigo.

Na volta estava debilitado por uma forte gripe e não acompanhei muito a paisagem, mas foi possíve ver montanhas nos Bálcãs, incluindo algums no norte da Grécia (sem fotos).

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quinta-feira, 9 de abril de 2009

Curso: final de semana 3 (final)

Finalmente terminei o curso de introdução ao montanhismo. Em virtude do trabalho acumulado e da viagem na semana que passou só agora estou escrevendo, sob pena de esquecer algum aspecto interessante do curso.

Nos reunimos do dia 24 ao dia 29 de março de 2009, terça-feira à domingo. O ponto de encontro foi o Monastério de Arkadi, já na região de Réthymno, de onde partimos no final da tarde de terça para o refúgio do Clube de Montanhismo de Réthymno no Psiloritis.

Psiloritis é o nome da formação montanhosa na região central de Creta e cobre parcialmente as regiões de Heráklio e Réthymno. É no Psoliritis que está o ponto mais alto de Creta, o Tímios Tavros com 2456 m de altura, apenas 3 metros mais alto que o Monte Pachnes na Lefká Óri na região de Chaniá e motivo de brigas eternas entre as duas regiões. Há quem diga que os montanhistas de Chaniá colocam pedras no cume do Pachnes para que ele um dia e torne mais alto...

O refúgio que ficamos no Psiloritis é o que tem a melhor infraestrutura entre os três que visitei. é todo construído de pedra, bem espaçoso e por estas duas características é também bastante frio e úmido. Conta com um gerador a gasolina e com calefação, além de uma lareira. A cozinha é ampla e bem equipada. O banheiro também é espaçoso mas está em condições que deixam a desejar. Como nos outros a entrada tem um hall para tirar as botas que é minúscula e seria mais útil se não estivesse ali. Uma varanda ajuda a proteger um pouco a chegada. Não contei o número de lugares, mas os beliches estão divididos em dois andares e possuem colchão e cobertas.

Partimos do Monastério de Arkadi, o ponto de encontro em fila. Desta vez peguei carona desde Chaniá junto com o Vassílis e também a Kália. Todos da última etapa do curso estava presentes exceto a Vassoúla e a Elise que chegariam mais tarde. Fizemos uma parada rápida numa confeitaria e seguimos adiante. Uma estrada de terra interminável leva até o abrigo. Muito antes de começarmos o trajeto de terra, já era noite e logo uma neblina densa cobriu a montanha não permitindo ver um metro à frente. Seguimos devagar sem ter muita idéia das ribanceiras escondidas pela neblina na beira da estrada. A quarenta minutos de caminhada do refúgio a estrada estava interropida pela neve. Chegamos a começar a cavar com pás e piolets, mas dois que foram a frente logo voltaram dizendo que o esforço seria em vão já que havia outras barreiras à frente. Pegamos nossas mochilas e o que podíamos de comida e continuamos a pé. Chegamos no refúgio por volta das 22h30 e imediatamente providenciamos o fogo na lareira e a janta. Dei uma volta rápida pelo refúgio para me familiariar com ele, escolhi minha cama e separei uma coberta.

Fomos deitar tarde, depois de 1 h da madrugada. Isto inviabilizou o planejamento inicial de fazer a subido ao Tímios Távros, cume do Psiloritis já na quarta-feira cedo. O planejamento exato era subir o Tímios Távros na quarta, descansar na quinta com teoria, fazer alguns exercícios na neve na sexta e no final da tarde ir de novo para o refúgio Vólikas para no sábado subir um cume tecnicamente mais difícil. Aos poucos foi ficando claro que o instrutor não estava afim de seguir o plano e as mudanças já começaram na quarta-feira. O tempo também não ajudou e mesmo que ele quisesse não poderíamos subir na quarta.

Quarta-feira foi um dia bem mal aproveitado e entediante. Fizemos uma revisão meia boca daquilo que tínhamos aprendido no primeiro encontro com o Vroutsis sobre navegação e orientação. Traçamos a rota desejada para o Tímios Távros, a qual viríamos a seguir na quinta-feira. No final da tarde fizemos um almoço janta que foi ótimo para distrair um pouco. O tempo do lado de fora melhorou um pouco e aproveitei para ir ver como o refúgio era por fora. Depois da janta tivemos a parte de primeiros socorros, com o próprio instrutor, o Alekos, extremamente superficial e teórica. Basicamente alguém ia lendo a apostila e ele fazia comentários extras que achava pertinente. Falou de queimaduras, congelamento, insolação, desidratação, animais e insetos peçonhentos e transporte de vítimas. Depois da aula, fomos para a cama, antes das 22h00 com planos de acordar cedo no dia seguinte.

Às 05h00 da manhã de quinta-feira estávamos de pé. Uma tempestade atingiu o abrigo durante a noite e tinha neve colada na janela, mas o tempo no amanhecer estava perfeito. Tomamos café da manhã preparamos o equipamento e saímos pouco antes das 08h00, seguindo a trajeto planejado com mapa e bússola. Inicialmente partimos em dois grupos por uma parte não nevada e depois nos juntamos num grupo só quando começamos a andar pela neve. A subida é bastante simples sem nenhuma exigência técnica e nenhum trecho de grande inclinação. Depois que saímos da parte de terra andamos por um platô de neve e antes de iniciarmos a subida colocamos crampons e pegamos o piolet. Logo também nos encordamos, apesar de que normalmente não seria necessário subir encordado.

Não há muito o que falar da subida, uma neblina forte cobriu boa parte da subida não permitindo ver os arredores. Perto do cume há uma depressão onde pudemos ver pequenas cornizas. Depois deste ponto sobre-se um lado um pouco mais íngreme e depois é um rampão até o cume onde a neve toma formas estranhas, em alguns momentos parecendo cristais (prismas) e outros momentos parecendo corais. Como não podia deixar de ser no cume há uma capela de pedra construída por pessoas de fé que não são capazes de deixar o topo da montanha ser um marco por si só. Não ficamos nem 15 minutos no cume e começamos a nos apressar para a descida pois o tempo fechou. Não foi motivo para maiores preocupações, mas até deixarmos o rampão do cume não podíamos ver muito mais do que 10 metros à nossa frente.

De volta ao ponto onde comentei que havia uma depressão poderíamos seguir para o cume do Agathiás apenas 20 metros mais baixo do que o Tímios Távros, mas mais próximo. Isto tinha ficado meio que combinado no dia anterior, mas o instrutor democraticamente perguntou se íamos ou não e ele mesmo respondeu que não. Não foi de todo ruim pois acho que alguns não tinham boas condições físicas para continuar subindo e também porque todo aquele plano que comentei no começo definitivamente não seria seguida e assim teríamos mais uma ascenção para fazer nos dias seguintes. Durante a descida pudemos conversar entre nós alguns descontentamentos com relação ao curso e o Dimítris chegou a ter uma discussão como Vangélis sobre a qualidade do equipamento cedido pelo clube. Dentro do possível tentei estimulá-los a não comentar nada para não criar um clima ruim para os próximos dias.

A chegada ao refúgio foi tranquila e depois de nos acomodarmos demos início à preparação de uma macarronada com atum. A Maria também ligou para alguém do clube de Réthymno dizendo que a gasolina estava acabando e pedindo para trazerem mais. Fiquei espantado com a prestatividade dos caras. Eles vieram a noite, no frio, e tendo que andar os mesmos 40 minutos que nós andamos trazendo um galão de gasolina e alguns quilos de carne. Chegaram na hora da janta e comeram macarrão conosco. O Vangélis que no dia anterior não comemorou o dia do nome dele pois estava doente, já se sentia melhor e ofereceu alguns doces que trouxe na mochila. Depois gentilmente colocaram a carne para assar na lareira para todos que quisessem. Também viram que tinha 3 galões de gasolina no refúgio e que eles não precisam ter vindo, mas ao invés de demonstrarem irritação ou descontentamento, disseram que poderíamos ter inventado uma desculpa melhor se queríamos tanto vê-los. Ao contrário do que esperávamos depois da confraternização eles desceram novamente os 40 minutos de estrada e foram para suas casas.

Antes de deitarmos o Alekos quis ouvir de cada um o que estavam achando do curso, o que estava faltando e etc. Eu fui o primeiro a ter o direito à voz e ao contrário do que eu recomendara aos outros, já que perguntaram, soltei os cachorros e falei (em grego) tudo o que eu tinha para dizer. Critiquei o conteúdo do curso disse que achava errado os intrutores orientarem a pormos crampon sem dizer porque nós colocávamos e eles não. E da mesma forma nós termos que usar capacete e eles não. Reclamei que o Alekos ia sempre muito a frente e que assim ele não via se fazíamos as coisas certas ou não, entre outras. Obviamente para todas as minhas críticas ele teve respostas, umas mais absurdas que as outras, como dizer que apesar de estar longe ele conseguia ver o que cada um fazia (claro, com neblina). A única que ele não refutou foi a do capacete, mas que ainda assim não foi suficiente para ele usar capacete o tempo todo na subida seguinte. Os outros ficaram calados na sua vez, mas alguns vieram me cumprimentar pelo que eu disse...

O dia seguinte amanheceu perfeito, mas ao invés de termos qualquer instrução, alguns aproveitaram para confraternizar tomando vinho e comendo amendoin e castanhas. Alguns se passaram na quantidade de álcool. Para os demais foi absurdamente entediante e uma perda de tempo imensurável. Alguns aproveitaram para descer até os carros e buscar o resto da comida. Esta foi uma entre várias ocasiões em que a, por assim dizer, autoridade do Vangélis foi totalmente eliminada pelo Alekos que apoiou e participou de atitudes que iam completamente contra as orientações dadas pelo Vangélis. No final da tarde alguns aproveitaram para rever a técnica de rapel e os nós ensinados no encontro anterior. Ensinei o Alekos a jogar Crapô e também fizemos um desafio de ver quem conseguia dar a volta por baixo da mesa.

Sábado mais uma vez acordamos cedo para ir ao cume do Agathiás. Saímos por uma calha de neve que termina próxima ao abrigo até o platô que mencionei durante a subida ao Tímios Távros. Mas ao invés de continuarmos pelo mesmo caminho fomos mais ao sul para subir o Agathiás pelo outro lado da montanha. o caminho é igualmente fácil, mas em certo ponto deixamos o caminho natural para subir por uma face mais íngreme pois os alunos queriam subir com ancoragens e corda. Foi algo fantasioso, mas ajudou a animar alguns que não entendem realmente o aquilo, o que acho um absurdo a esta altura do curso. Depois a subida voltou a ser fácil e valeu ter esperado para subir o Agathiás outro dia. O álcool consumido no dia anterior claramente afetou o desempenho de alguns, mas o tempo bom e a vista livre para o sul de Creta estava maravilhosa fazendo desta subida mais interessante do que aquela para o Tímios Távros.

Descemos o cume pelo outro lado, passando pela depressão que separa o Agathiás do Tímios Távros e depois seguindo mesmo caminho do outro dia. Algumas partes descemos correndo na neve e foi divertido. Mas estes mesmo lugares poderiam ter sido por exemplo para praticar técnicas de glissada que não foram ensinadas durante o curso. A chegada ao refúgio foi ótima e muitos aproveitaram para tomar sol. Diga-se de passagem, esquentou bastante de terça para sábado e boa parte da neve que tinha caído de terça para quarta já tinha desaparecido. O Panaiótis e o Giorgos aproveitaram para ir buscar lenha, já que o estoque estava baixo e a lenha que eles tinham pegado no dia anterior seria insuficiente para mais uma noite.

No refúgio fizemos a janta e mais tarde preparei dois panelões de pipoca para a turma. O responsável pelo refúgio chegou com um parceiro. Ambos iam subir a montanha para descer esquiando. Um deles é o responsável do clube pelo refúgio e aí a gente vê como o poder corrompe a pessoa. A recomendação é ligar o gerador no máximo três horas por dia e assim estávamos seguindo. Quando chegou a hora de desligar a luz ele disse que não tinha problema que podíamos deixar ligado. O cara era extremamente boçal em comparação aos outros dois que tinham vindo duas noites atrás. Como os outros dois, estes trouxeram carne para uma batalhão, mas comeram sozinho e quando terminaram ofereceram para os outros, que se sentiram ofendidos ao serem tratados como cachorros. Jogamos um pouco de cartas antes de ir deitar. Não sei bem porque não fomos embora já no final da tarde de sábado, o que seria uma economia com uma noite de refúgio.

Domingo acordamos e depois do café da manhã fizemos uma faxina no refúgio que ele provavelmente não via há anos. Depois de todo o equipamento arrumado nos reunimos do lado de fora para um papo final sobre o conteúdo do curso e descemos até os carros. A descida durante o dia permitiu vermos bem o caminho que fizemos a noite sob neblina. Este lado da montanha, bem como outras partes de Creta já foi uma grande floresta mas ainda há bastante árvores que a deixam bastante diferente da paisagem comum em Creta, de arbustos rasteiros e pedras.

Na estrada de volta para Chaniá vi dois ciclistas na estrada, cada um com uma bandeirinha do Brasil na bicicleta.

Não foi o que eu esperava, mas fiz algo diferente e aprendi coisas novas. O inverno acabou e praticamente não há mais neve nas montanhas. Não pretendo viajar para outros lugares para praticar, por enquanto, então ano que vem acho poderei praticar mais.

Comprei a última edição do Mountaineering: The Freedom of the Hills que contém todo o conteúdo visto no curso e mais um pouco e que deu um bom suporte para entender o curso e ver as deficiências, além da alguma experiência que tenho com escalada e montanhismo no Brasil.

Na semana seguinte fomos ao clube para devolver o equipamento e preenchemos uma avaliação escrita onde aproveitei para desqualificar o instrutor, que pode ser muito bom montanhista e parceiro mas não é um bom professor e para anotar o que foi bom e o que foi ruim no curso.

Link para o álbum desta publicação: Curso: final de semana 3 (final)