quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um pulo em Fontainebleau

Saímos cedo de metrô para a estação Gare de Lyon de onde pegamos o trem de Paris para Fontainebleau. Levamos apenas duas mochilinhas com lanche e água, um par de sapatilhas para mim, protetor solar e os croquis. O trem que passa por Fontainebleau é bastante freqüente, nem precisamos no preocupar com o horário. Quando chegamos à estação, o trem já estava esperando e em pouco mais de dez minutos partiu. Quarenta e cinco minutos de viagem separam Paris de Fontainebleau. A viagem é agradável apesar de a paisagem a partir do trem não oferecer nada espetacular.

A chegada à estação de trem, que fica na fronteira entre Avon e Fontainebleau, foi tranquila e dali fomos andando em direção ao Castelo de Fontainebleau, a última casa de Napoleão. No caminho passamos por um parque imenso (sem blocos de escalada) que sugere um pouco como é o ambiente onde estão os blocos (boulders) de Fontainebleau. A visita ao castelo foi rápida e aproveitamos um banquinho no jardim para descansar e almoçar.

Depois do castelo passamos rapidamente no posto de informações turísticas para pegar um mapa da cidade que nos ajudaria a ir ao Mont Ussy, onde há alguns setores de escalada, dos quais me interessava o Montussienes. O Mont Ussy é provavelmente o setor mais próximo de Fontainebleau e ao que parece não muito renomado, ainda que bastante frequentado por quem quer dar uma escalada rápida. Foram a proximidade do local à cidade e o nível de dificuldade dos problemas ("vias" de escalada em boulder) que me atraíram para o Mont Ussy, além de ter como ponto de partida a cidade de Fontainebleau onde poderíamos ver o castelo (é possível escalar em Fontainebleau a partir de outras cidadezinhas da região).

Pretendíamos ir de bicicleta a partir do centro, mas o aluguel era absurdamente caro e o comércio estava fechado (ainda bem). Nesta hora fiquei contente de ter planejado ir ao Mont Ussy, caso contrário estaríamos numa situação complicada para nos deslocarmos para outro setor.

A caminhada até Montussienes levou cerca de 30 minutos, saindo do castelo, quase toda ela por calçada e no final um pouco de asfalto. Chegamos no ponto de encontro de várias ruas de areão que percorrem partes da floresta onde tem um posto florestal. Dali seguimos uma das estradas e logo entramos na trilha azul, marcada nas árvores e pedras, que ao cruzar com outra estrada marca o início dos blocos.

Esta parte da floresta lembra muito, mas muito mesmo, o Parque Florestal do Rio Vermelho em Florianópolis onde estão os campings escoteiro e da CIDASC que muito frequentei (para quem não conhece, o mais parecido que consigo pensar é a floresta no filme Bruxa de Blair), fazendo que eu me sentisse em casa. A grande diferença são os blocos que surgiram de repente e em grande quantidade.

Tenho que admitir que minha primeira sensação ao ver os blocos foi um pouco de desapontamento, esperava muito mais do tanto que se fala de Fontainebleau. Mas obviamente não esqueci que aquilo era uma porção ridícula do total e passei a me dedicar a familiarizar-me um pouco com o setor e aquecer o resto do corpo (já tinha andado mais de 30 minutos) antes de começar a escalar.

Antes de continuar com os detalhes, vou escrever um pouco sobre as informações que eu tinha disponível. A minha escolha pelo Mont Ussy e particularmente Montussienes se deu bem cedo com as informações contidas no site bleau.info. Para este setor as informações são bem completas e estão divididos basicamente em duas partes, uma com os boulders do setor Montussienes e outro com informações de outros boulders nos arredores do Mont Ussy e Roche d'Hercule. O segundo foi especialmente útil para entender onde estava a trilha (na verdade foi bem fácil), mas uma roubada para os outros setores e contarei isto depois. Em Paris, passei na livraria da loja Aux-Vieux-Campeur para ver os guias de Fontainebleau. Numa mistura de impulso e precaução (afinal podia chegar lá e alguma coisa melar Montussienes) acabei gastando uma fortuna, dada a quantidade de propaganda dentro, num guia chamado Fontainebleau Magique, que eu já tinha visto na internet e é propagandeado no site bleau.info. A escolha deste guia em relação aos outros dois disponíveis na livraria foi baseada no preço similar, no fato de ser mais recente e de ser focado em boulders de nível médio que me interessam mais do que os difíceis, bem como a qualidade do material. A capa é tosca, mas guia é bem ilustrado (a cores) com croquis muito bons. Porém, é bastante confuso nas notações que usa e nas informações de como chegar aos setores. As informações são bastante condensadas por meio de mais de 40 símbolos diferentes que acabam enchendo um pouco o saco. O Montussienes conta com três roteiros, um laranja, um vermelho e um azul. O guia contém apenas o laranja que, obviamente era o que me interessava. As informações do site continham todos os três roteiros e teriam sido mais do que suficientes, ou seja, o guia foi desnecessário ainda que interessante e me deu uma segunda chance caso tivesse que ir para outro setor.

Mas voltando ao que interessa, fiquei um pouco chocado ao ver que todos os boulders estão marcados com flechas e números com a cor do roteiro, como em diversas vias aqui em Creta. Não vou bancar o hipócrita e dizer que não gostei, afinal mesmo com os croquis, facilita muito achar o exato problema que quero escalar. Não chega a ser agressivo aos olhos, mas continuo me perguntando se esse tipo de marcação é realmente necessária.

A pedra é completamente diferente do que estou acostumado. Na maior parte predomina um tom de verde variando para tons de cinza, laranja e algumas manchas brancas. A superfície da rocha parece uma lixa bem fina, como se tivessem jogado cola e despejado areia de praia. Apesar disso a aderência é longe de ser uma maravilha. A pedra é brilhante ao sol, mas os tons das pedras e da vegetação dão um ar monótono ao local. No guia há uma explicação geológica muito interessante de como as rochas em Fontainebleau se formaram, mas minha observação pessoal e imaginação fértil levam a crer que eles estão errados e que na verdade os blocos são pedaços de dinossauros fossilizados. Em diversos blocos, muitos mesmo, a superfície parece ter gomos, como se fosse o couro de um réptil gigante. Os problemas que escalei na sua maioria ofereceram pouquíssimas agarras, imperando a aderência e o uso de covinhas na pedra e abaulados.

Cansado dos últimos dias por caminhar muito por Paris, e domir pouco e mal (albergue - Hostel Bastille - lixo) comecei a demonstrar sintomas de gripe que vieram com força no dia de Fontainebleau. Mas o clima estava ótimo e não me abalei. O dia ensolarado com uma brisa refrescante estava perfeito para escalada; algumas vezes chegou a ficar até abafado ou quente demais.

Na hora de preparar a mochila para a viagem para Paris fui minimalista e não levei nem magnésio nem sapatilha, já que pretendia comprar uma nova em Paris. O magnésio chegou a fazer falta algumas vezes e acho que poderia ter aproveitado melhor se o tivesse. Meu grande medo era não conseguir escalar por causa do aperto da sapatilha nova que calcei no albergue diariamente de quarta a domingo para já ir alargando. Felizmente não tive problemas e foi uma estréia de luxo!

Depois do breve aquecimento comecei procurando os problemas mais fáceis e baixos. A Anamaria ficou de spotter e evitei os boulders em que a queda não era na areia fofa. Ela fez um ótimo trabalho particularmente num boulder que estava com o topo molhado (e o guia indicava que isto era provável) e não consegui segurar no abaulado, onde cai de mais ou menos um metro e meio de altura num plano inclinado. Também não entrei em mais do que um ou dois negativos negativos, já que não teria condições de ir longe e preferi me poupar para tentar vários a ficar o dia inteiro me detonando em apenas um problema. Sem crash pad (colchão para amortecer a queda), pelo menos um capachinho teria sido muito útil para tirar a areia da sapatilha que eu acabava esfregando na calça mesmo. Vários cavadinhos e agarras também estavam com areia e uma sopradinha providencial antes de usá-los foi necessária.

Logo que comecei a escalar chegou um casal de duas alemoas e esperava me integrar a elas para ficar mais divertido, já que para mim boulder é uma escalada compartilhada com parceiros, e também para usar o crash pad delas, é claro. Mas elas não foram muito simpáticas e acabei não tentando nada, mas notei que elas ficaram nos observando sempre que estavam num boulder por perto. Além delas várias pessoas passaram pelos arredores fazendo exercício ou passeando.

Praticamente segui o roteiro laranja com algumas idas e vindas e pulando alguns problemas. Acho que não tentei nenhum boulder do roteiro vermelho ou do azul. Não contei, mas tentei cerca de 15 problemas, talvez mais, em duas a três horas de escalada. Não sei bem, me perdi no tempo, nos números e no espaço.

Sim, me perdi no espaço também. Depois de dizer chega ainda ousei seguir para ver outros boulders indicados no site e foi uma grande roubada. Nada de muito interessante e acabamos nos perdendo um pouco na trilha azul que passa por uma área pouco frequentada, onde parece ter sido proibido o acesso por questões de segurança (queda de galhos).

Depois da escalada voltamos para Fontainebleau com passagem por uma fonte de água para um refresco e mais uma caminhadinha até o centro. Lá nos encontramos com um casal de franceses, que contactei pelo Couch Surfing para pegar algumas dicas de como chegar, para tomarmos um suco.

Voltamos a pé para a estação, completamente abandonada, sem informação e com os banheiros trancados, e pegamos um trem de volta para Paris por volta de 21h00.

Foi legal e único, mas para sentir Fontainebleau acho que é preciso mais tempo e mais gente.

Link para o álbum desta publicação: Um pulo em Fontainebleau

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