sábado, 13 de dezembro de 2008

4 dias

Uma chuvinha infernal chegou arrasando neste final de semana. No meio da tarde a chuva parou e deu um pouco de chance para o sol. Às quatro em ponto comecei a arrumar o equipamento e consegui convencer a Anamaria a sair do aconchego da casa e ir comigo ao Monte Várdia. Tínhamos em torno de uma hora antes de o sol se pôr. Resultado: consegui escalar as vias Dulfer (VI) e Tottis (VIIa).

Dulfer (VI): fiz o crux dela em top-rope no dia em que conheci o Kostas. É um diedro com uma fenda que dá acesso à vários degrauzinhos planos que servem de agarras sem pega. Desta vez pareceu bem mais difícil, passei um veneno. Tentei de várias maneiras e acabei saindo pelo lado contrário ao da outra vez. Depois do crux ela tem uma seção de degraus e se transforma numa aderência com poucos regletes. Deixei um top para a Tottis.

Tottis (VIIa): o início bastante fácil oculta o que está por vir. Repentinamente as agarras somem e é necessário dominar um platôzinho usando uma aresta em curva. Depois do platô inicia um lance de aderência com poucos regletes, um par de bidedos e muito equilíbrio. Foi pancada e vou ter que fazer top-rope muitas vezes antes de encarar.

Minha sapatilha Trinity da Snake que já era. As tiras de velcro estão detonadas e o solado de um dos pés furou. Vou ter que usar a minha Anhangava da Snake até sair a viagem para Paris onde pretendo adquirir uma nova.

Aproveitando a disponibilidade de parceiros e a "greve" na universidade quebrei o recorde de escalar quatro dias consecutivos. Voltei ao Monte Várdia nas tardes de Domingo, Segunda e Terça-feira.

No Domingo escalei com o Kostas que logo foi embora, e com o Yorgos e a namorada dele, a Kália. Escalamos a Look Louki, a A Mávri e Mi-Nous.

Na segunda escalei com o Giorgos, como o Kostas e o Vangélis, e amarelei guiando na Triferotites, e depois fiz em top.

Na terça escalei com o Vangélis e aquecemos na Look Louki e depois nos detonamos num top-rope na H Pili, um negativo violento com agarras cortantes. Na sequência tentei até o crux a Adelfopiisi.

Só para deixar registrado, vi um cobra no domingo quando cheguei de carro, mas não consegui identificar qual era. E durante a semana passada o Yorgos e o Kostas viram um escorpião.

Link para o álbum desta publicação: 4 dias

Alto astral

Alto astral, foi esta a expressão, ainda que meio cafona, que encontrei para descrever em poucas palavras a minha primeira atividade junto ao Clube de Montanhismo de Chaniá.

Domingo, 30/11/2008, acordamos por volta de 6h30, tomamos café da manhã e enquanto a Anamaria preparava dois sanduíches para eu levar, me vesti e arrumei as coisas na mochila, que já separara na noite anterior. Além dos sanduíches, levei, 1,5 litros de água, bergamotas, peras, bolacha salgada e chocolates.

Fui andando de casa até o clube, o ponto de encontro, em menos de 10 minutos. Cheguei, 7h45, 15 minutos mais cedo da hora marcada e fui o quinto a chegar (considerando que até sexta-feira 48 já tinham se inscrito, é espantoso). Cumprimentei timidamente os que já estavam ali esperando. Aos poucos a turma foi chegando e não parava mais de chegar gente, parecia uma procissão. Os dois ônibus, um grande e um pequeno, chegaram com 5 minutos de atraso e já fomos entrando. Os últimos inscritos chegaram por volta de 08h15, e para a alegria de 3 ou 4 que não tinham se inscrito, nem todos vieram, e sobraram algumas vagas nos ônibus que deveriam ter ficado lotados.

A moda era variada dos pés à cabeça, desde roupas anos 50 e cajados de madeira, até a última tecnologia em vestuário e bastões de caminhada, além de alguns nitidamente despreparados com calçados que não servem nem para passear no centro.

Com 20 minutos de atraso saímos, eu no ônibus grande, tendo ao meu lado o único assento vazio de todo o ônibus. Logo deixamos a cidade e seguimos oeste pela Estrada Nacional e depois para o sul em direção à Spina. Enquanto isso, o responsável foi passando de assento em assento para cobrar a inscrição e registrar o nome da pessoa para conferência na hora de irmos embora.

Mal deixamos a Estrada Nacional, as oliveiras começaram a dominar a paisagem irregular, e assim continuou enquanto subíamos as montanhas pelas típicas estradas finas que serpenteiam o interior de Creta. Quando contornávamos algum vale, eu podia ver ao longe o ônibus menor bem à frente, já do outro lado. Aos poucos a vegetação foi mudando e entre as oliveiras podia identificar em outras árvores as cores do outono, copas totalmente amareladas. Demorou cerca de 1h30 até chegarmos ao acesso à Spina, onde o ônibus parou. Um pouco antes de chegarmos, recebemos as instruções de como seria o passeio, inclusive que nós, do ônibus grande, teríamos que caminhar um pouquinho mais do que os outros. A estrada fica menor ainda e apenas o ônibus pequeno pode prosseguir.

O ambiente abafado destes ônibus modernos em que não se pode abrir a janela costumam me deixar enjoado e desta vez não foi diferente. Desci do ônibus com as pernas tremendo e fui agraciado com o ar fresco da montanha para logo me restabelecer.

Spina fica a 7 km de onde paramos e prosseguimos a pé o quanto conseguimos até encontrarmos o ônibus pequeno que voltou para nos pegar. Andamos bons 3 ou 4 km antes que o ônibus chegasse, e vale dizer que preferia ter continuado a pé. Andar de microônibus numa estradinha sinuosa pouco mais larga que ele próprio à beira de um cânion foi assustador. A caminhadinha valeu pela beleza do local, dominada por pedras e arbustos, com algumas criações de abelha.

Paramos um pouco antes de Spina onde deveríamos encontrar o resto do grupo que não estava ali. Aparentemente sete membros do clube de montanha eram os responsáveis por este passeio, quatro estavam no ônibus grande e três no outro, cada um deles equipado com um Talk-about. Os do primeiro grupo estavam com os deles ainda desligados. Por meio do motorista, soubemos que eles tinham ido até o vilarejo para tomar café, e resolvemos prosseguir sem eles.

Desde Spina a paisagem já era exuberante e o passeio consistia em descer um vale até chegar no cânion de Agios Eirineos, para depois seguir até a estrada para Kantanos onde o ônibus nos pegaria de novo. Assim foi!

O número espantoso de pessoas, cerca de 70, parecia um absurdo, mas o grupo andou bastante disperso e sem as gritarias que poderia se esperar de um grupo deste tamanho. Além disso toda a caminhada foi por uma estrada não pavimentada. Havia gente de todas as idades, inclusive crianças bem pequenas (os pais as carregaram em mochila apropriada), mas predominavam pessoas com mais de 50 anos.

Pouco posso dizer sobre a descida pelo vale, melhor ver as fotos. Quando chegamos na garganta, cruzamos um leito seco de rio e a partir daí o seguimos hora de um lado, hora de outro. Não havia mais oliveiras e a vegetação parecia de fato "natural". As paredes de pedra e as árvores faziam a sombra necessária para não sentirmos calor apesar do ar fresco. O caminhada não possui nada de excêntrico, exceto uma caverna enorme no alto do morro, que parece ter sido fechada com madeira e telas de arame.

Em pouco menos de 2 horas de caminhada, em ritmo lento, os primeiros começaram a chegar à Igreja de Agios Eirineos, o ponto de descanso. A igrejinha é bem desinteressante, mas o lugar é historicamente importante. Como aconteceu em outros lugares de Creta, este foi um dos pontos da resistência cretense contra os alemães na Segunda Guerra Mundial. Munidos basicamente de facas/facões, pedras e pedaços de pau, e tirando proveito da geografia local, conseguiram resistir à ocupação e mataram uns tantos alemães. Como forma de vingança os alemães atearam fogo na cidade de Kantanos mais abaixo, que foi totalmente destruída. No local onde existiu e agora existe novamente a cidade, deixaram placas de mármore onde está gravado em alemão e grego algo como: "Aqui existiu Kantanos, destruída em retaliação ao assassinato de 25 soldados alemães".

Durante o descanso na igrejinha foi o primeiro momento em que tive a oportunidade de interagir com as pessoas (eu fui o único a ir sem a companhia de um amigo). Algumas me ofereceram frutas ou castanhas. Falei com o Ioannis, o senhor que me recebeu diversas vezes no clube, com um professor da universidade e com algumas crianças que não davam bola para o fato de eu não entender muito bem o que elas diziam.

Depois que todos estavam reunidos e alimentados dois ou três aproveitaram para subir na mureta e fazer um discurso a respeito do local, falar das atividades do clube e revisar o planejamento a partir dali.

Conforme planejado primeiro seguimos em direção a Kantanos pela estrada antiga para vermos uma pedreira que está destruindo a região. A estrada foi toda construída com muros de pedra perfeitamente alinhadas com um capricho difícil de se ver hoje em dia, apesar dos avanços em técnicas e maquinário. A pedreira por outro lado, mostra que o progresso custa caro e ao que parece as coisas por ali não estão exatamente dentro da lei. Já foram feitas várias denúncias inclusive na TV, mas de nada adiantou. Nas fotos que tirei, apenas um porção da pedreira aparece, mas ela é muito maior e já afeta parte da garganta por onde seguimos mais tarde para ir até a estrada nova que leva a Kantanos (ver fotos).

No caminho tivemos o "prazer" de ver uma cobra leopardo, considerada por alguns a mais bonita de Europa. Consegui uma foto meia boca e vi uma louca fazer carinho nela e quase levar uma mordida.

Depois do breve desvio para ver a pedreira, voltamos para a igreja de onde tomamos o rumo correto. Estes três últimos quilômetros, os únicos de subida, fiz na companhia do Ioannis e aproveitei para conversar sobre o clube. Basicamente falamos das receitas (financeiras) do clube. O clube sobrevive as custas das mensalidades dos seus sócios, 30 euros por ano, pelo valor arrecadado com os passeios, de materiais promocionais e do aluguel dos refúgios para grupos. Os passeios acontecem todos os finais de semana e neste que fui cobraram 20 euros dos não sócios, 15 dos sócios e 10 das crianças. Foram 70 pessoas, ou seja, supondo que o valor médio foi 15 euros, arrecadaram uns 1000 euros num único final de semana. Não faço idéia de quanto gastaram para alugar os dois ônibus, mas dúvido que tenha chegado perto deste valor. Para mim é caro mas ao que parece para os outros não é. A arrecadação com materiais promocionais é baixa, como já aconteceu na ACEM e provavelmente em outros clubes brasileiros, o mesmo cara que reclama que a camiseta a 12 reais (que custou 10 para o clube) é cara, compra uma de marca por 20 ou 30 reais sem pestanejar.

Mas ao que parece, o dinheiro é muito bem empregado. Já escrevi em outras oportunidades que eles possuem dois Defender e sede própria (e grande) no centro da cidade. Eles mantém também 4 refúgios de montanha, cada um com lugar para mais de 20 pessoas e totalmente equipados, inclusive com beliches e roupa de cama. No ano que passou o clube "faliu" pois gastou cerca de 40 mil euros (sim, quarenta mil euros) para refazer um dos abrigos. Este abrigo era todo de pedra e a ação do tempo, principalmente as mudanças de temperatura, estava causando a destruição do mesmo. Eles reconstruíram o abrigo. Como o local só é acessível a pé, o material foi levado de helicóptero. Temos muito o que aprender com eles!

Voltando ao passeio, a conversa foi encerrada com a chegada ao ponto final, onde os ônibus nos esperavam. Fomos levados a Kantanos para o almoço.

No trajeto de cerca de quatro kilômetros o responsável aproveitou para agradecer a todos, para comunicar os próximos eventos e também para celebrar o fato de que as 70 pessoas reunidas ali e mais 30 crianças que foram para outra atividade, significava que o clube conseguiu, naquele final de semana, ter 100 pessoas mais perto da natureza. É claro que não é sempre assim, as pessoas mostram de fato uma preocupação com a natureza, e ao que parece, com muito menos hipocrisia do que vemos de muitos no Brasil.

Chegamos à Kantanos e a maioria foi para as tavernas (restaurantes). Como não queria gastar e levara meu próprio almoço, fiquei na praça aguardando por quase 2 horas antes de voltarmos a Chaniá! O passeio foi ótimo, todos em paz e se divertindo, apreciando a natureza e confraternizando com os amigos. Mas acho que o que eles queriam mesmo era no final do passeio, ir se empanturrar numa taverna!

Link para o álbum desta publicação: Alto astral

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

The Climb

Na publicação do último final de semana esqueci de comentar que no sábado à noite fomos num bazar de Natal promovido pelo The Cretan International Community of Chaniá. O que isto tem a ver com escalada? Praticamente nada, mas no bazar tinha um sebo vendendo diversos livros e entre eles a Anamaria achou o livro The Climb (A Escalada) do Anatoli Boukreev e do G. Weston De Walt, a respeito do qual escrevi brevemente dias atrás. Quanto custou? 1 € (um euro).

O livro, já numa edição do estilo bestseller (pelo menos o nome dos autores não está maior do que o título) não está nas melhores condições pois é em papel jornal (?) e está bem envelhecido. Mas tem todas as páginas e não está riscado. As fotos são em preto e branco e não sei se coincidem com as fotos da edição que tenho em português, mas pelo menos nenhuma legenda de foto (P&B) se refere a cores de roupas.

Folheei o livro e li alguns trechos, coincidentemente aqueles em que os autores rebatem as críticas feitas por Krakauer, bem "quentes". Vou retomar do começo para relembrar este ótimo relato e praticar um pouco (na verdade bastante) o inglês. Mais uma vez recomendo a leitura. Tenho a edição em português em casa que pode ser tomada emprestada com meu irmão caso alguém que não tenha lido se interessar!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sexta, Sábado e Domingo

Sexta-feira
Liguei para o Vangélis Stavroulákis, instrutor de montanhismo para saber detalhes sobre o curso. Ele foi muito gentil e acha que não há problema de eu fazer o curso, inclusive outro estrangeiro que também não sabe grego muito bem também pretende fazer.

O curso vai durar 7 finais de semana de janeiro a abril. Cada final de semana o grupo irá para algum refúgio para ter as aulas. O material utilizado será fornecido pelo clube, cadeirinhas, crampons, piolets, capacetes...

Na próxima quarta-feira haverá uma reunião com os interessados. Há preferência para pessoas na lista de espera do curso do ano passado, depois para os demais presentes. Se sobrarem vagas, o clube vai anunciar.

Para se inscrever é obrigatório ser filiado à algum clube de montanha. A rigor eu poderia me associar por ser membro da ACEM (apesar de não ter pago a última anuidade, se é que existiu), mas vou me filiar ao clube local de qualquer maneira. Também verei o que é necessário para obter o atestado de saúde. Os participantes do curso recebem um certificado da associação nacional. Quarta saberei mais detalhes, se existirem, e se poderei fazer ou não.

Sábado
Fui buscar a Anamaria na feira e encontrei o Apostólis. Fiz que nem grego e parei o trânsito para bater papo, uma vergonha :7). Falamos rapidamente, mas ele me contou que nas últimas semanas abriram quatro novas vias em Thérisso e que é para eu dar uma ligada para irmos lá...

Depois disso e do almoço, fui com o Kostas para o Monte Várdia no final da tarde. Escalei a Mi-nous. Já tinha escalado ela várias vezes em top-rope depois de guiar a Zéstama, mas nunca tinha tentado guiar. Fiquei surpreso, saiu sem problemas. O Kostas também nunca tinha guiado esta via e passou um veneninho no crux, e acabou segurando na expressa, mas também ficou contente com a evolução. Estava tarde e guiei a Sikiá, e pela primeira vez a encadenei sem segurar na árvore! Armei um top-rope para a via do lado, a Pedévousin Tékna. Desci, e para não perdermos tempo fui direto. Passei o lance incial que é bem difícil e entrei no crux mas não consegui sair. O Kostas foi em seguida e depois de várias tentativas quase passou o crux. Já era noite e ele subiu a Sikiá em top para retirar a ancoragem.

DomingoNo sábado deixei pré-combinado com o Kostas de ir a Plakiás, mais especificamente em Kalipso, se fizesse tempo bom no domingo. Ele me ligou por volta de 10h00 e eu ainda estava dormindo, uma vergonha. Acordei e arrumei minhas coisas. A Anamaria não quis ir desta vez. Saí de casa 11h30 e levei uma hora e meia até lá. Cheguei e já tinha a maior raça. O Kostas e a irmã dele, a Mariana, a Anastasia que eu já conhecia, e dois caras que eu ainda não conhecia, o Giorgos e o Vangelis. Logo depois de mim chegaram o Giorgos (que eu já conhecia), que por sinal tinha me ligado na sexta para ir escalar em Kalipso no sábado, e a namorada. Mais tarde chegaram também o Vangelis (o instrutor) e uma menina que esqueci o nome. Todos, exceto os dois Vangelis e eu, fizeram o curso com um dos Vangelis no ano passado.

Praticamente fiquei de dupla com o Kostas e escalei as outras seis vias (n. 7 a n. 12) que eu não tinha escalado da outra vez. Exceto a via 12 que é um pouco mais difícil e machuca bastante as mãos com um crux no negativo, todas tem um nível semelhante em torno de Vsup e são boas de escalar. A via 11 fica numa parte acidentada da pedra com bastante pedras soltas e é pouco atraente. Todos foram bastante simpáticos. Parece que finalmente conheci um grupo legal de ir escalar e que me ligam para dizer que estão indo. Fui embora antes de todos, pois já estava anoitecendo.

Link para o álbum desta publicação: Sexta, Sábado e Domingo