Sábado dia 24/01/2009, chegou o início do tão esperado curso de montanhismo. O ponto de encontro foi o vilarejo de Askífou, a leste da cadeia de montanhas Léfka Óri, um pouco antes do início da Garganta de Imbros, na região de Chaniá. Fui o último a chegar às 11h30 com meia hora de atraso. Entrei na taverna indicada pelo Vangélis, um estabelecimento tipicamente cretense em péssimas condições - mas ninguém parecia dar bola -, com funcionários tipicamente cretenses, com cabelo, barba e bigode bem escuros e feições locais.
Em uma mesa (obviamente) cheia de xícaras de café vi o grupo reunido. Já conhecia todos os participantes, apenas 7 (8 comigo) dos 10 inscritos (Yanis, Maria, Leonídas, Dimítris, Giorgos, Panaiótis e Vasúla) , o assistente do instrutor, o Vangélis, e fui introduzido ao instrutor, o Vangélis! Ao contrário do que estava combinado ficamos na taverna até chegar outro grupo que estava com a chave do abrigo. Em meio ao ruído de uma TV e de locais jogando cartas, começou o curso.
Praticamente um bate papo, primeiro ele ouviu de cada um qual era a experiência com montanhismo e quais as expectativas com o curso. Em seguida deu um panorama muito breve sobre o curso, mais para confirmar as datas e locais dos próximos encontros do que comentar o conteúdo que será abordado, que de certa forma ainda é uma incógnita.
Na sequência começou a falar sobre equipamentos com poucos detalhes sobre os equipamentos técnicos que veremos mais tarde, mas focando no vestuário, saco de dormir e mochila. Uma pena que, exceto pela mochila que ele inclusive explicou como regular, nenhum outro equipamento teve um exemplar exibido durante a palestra. O tempo passou voando, foram cerca de 5 horas de exposição, incluindo pequenas pausas para descanso. Em uma das pausas degustamos deliciosas Sfakianópitas (panquecas recheadas com queijo local e cobertas com mel), especialidade local. Quando o outro grupo finalmente chegou e começamos a subida para o refúgio de montanha de Távri, também se juntaram a nós a Anastasía e a Lída.
Apesar de ser possível ir de carro até o refúgio, subimos apenas um trecho de carro até o início da trilha, onde entregamos nossa comida para o grupo que subia de carro e seguimos a pé. A trilha é um zig-zag bastante íngreme em solo rico em matéria orgânica e com muitas pedras, ótima para acidentes. A vegetação é predominantemente de algum tipo de pinus até nos aproximarmos dos 1000 m de altitude, quando a vegetação baixa e espinhosa típica de Creta e pedras passam a predominar.
Em cerca de 1 hora de caminhada chegamos ao refúgio já durante o entardecer. O outro grupo era formado por cerca de 40 crianças e mais uma dúzia de adultos os acompanhando. Eles subiram a trilha conosco comportadamente, mas ao chegar no abrigo a algazarra começou.
A 1200 m do nível do mar em meio a alguma neblina e a luz fraca do entardecer pude ver dois ou três picos acima de 2000 m e notar que todos estão com pouca neve, basicamente em encostas colos e depressões mais protegidos do sol e do vento. Apenas por volta do Natal as temperaturas caíram e nevou bastante. Desde então o clima está ameno. Não chegou a ser uma decepção pois no trajeto por estradas do interior e mesmo da cidade já era possível ver que falta neve neste inverno.
A edificação do refúgio é maior do que eu esperava, uma casa de dois andares mais um porão. Arquitetonicamente está longe de ser charmoso, mas oferece uma infraestrutura boa. O interior um pouco desorganizado é todo mobiliado e pode ser aconchegante. No andar térreo há uma sala para deixar as botas antes de entrar que tem a disposição sandálias de borracha. Dois banheiros com pia e patente (vaso sanitário), uma sala grande com lareira, bancos e mesas, e uma pequena cozinha equipada com fogão industrial de duas bocas, pia, armários e utensílios de cozinha, como talheres, panelas e pratos, completam o andar térreo. O porão serve de depósito e o andar de cima também tem dois banheiros, e está dividido em três quartos com beliches oficialmente com 40 lugares. Um gerador a diesel na parte externa do refúgio fornece energia elétrica e há água quente pelo menos na cozinha. Não parecia ter no banheiro apesar das torneiras de água quente existirem. Também não vi chuveiro, e para ser sincero, vi pouquíssimas pessoas indo ao banheiro para higiene pessoal, como lavar as mãos e escovar os dentes (não estou querendo insinuar nada).
Entramos no refúgio e ocupamos um dos quartos, com 12 lugares, exatamente do tamanho do nosso grupo onde deixamos as mochilas. Sem tempo para descanso nos reunimos numa mesa para retomar a aula. Mesmo com a lareira ligada estava frio dentro e boa parte do tempo fiquei com luvas de lã e com touca. Não fiquei sabendo a temperatura externa, mas a interna não passou dos 14 graus mesmo com a lareira a todo vapor. Nos quartos não tinha lareira e obviamente estava bem mais frio.
O tema para o resto do final de semana era orientação em montanha com uso de mapa e bússola. Não temo dizer que a aula não foi muito bem preparada, exceto por cópias do mapa da região onde estávamos, transferidor, escalímetro e bússolas. Porém foi muito boa, mesmo com a algazarra dos adultos e crianças que ocupavam a mesma sala. Como já tinha aprendido a maior parte do conteúdo no passado, foi bastante fácil entender em grego o que ele dizia e serviu como uma ótima revisão para o assunto e para lembrar coisas que já tinha esquecido. Ele explicou como fazer leitura do mapa, escalas, medir distâncias, estimativas de tempo e distância do percurso, como saber onde estamos com base em acidentes geográficos, como identificar acidentes geográficos sabendo onde estamos, entre outras coisas. Impressionante ver como as pessoas tem dificuldades com estas coisas, principalmente na parte matemática como escalas e estimativas de distâncias usando o conhecido triângulo de pitágoras. A Anastasía e a Lída que já tinham feito o curso ano passado e a primeira que está fazendo agora o curso intermediário praticamente refizeram o curso uma vez que não se lembravam de praticamente nada e mostraram as mesmas dificuldades os novos alunos. O último conteúdo do dia foi como planejar uma rota no mapa. Planejamos uma rota didática para ser seguida no domingo. Foram cerca de 5 horas de exposição, com duas pequenas pausas para descanso, mais uma meia hora para a janta, macarrão com atum no molho de tomate e salada.
Depois da janta, que foi muito boa, fomos fazer uma atividade com bússola no lado de fora do refúgio, numa região plana. A idéia do exercício era basicamente dado um ponto de partida e uma direção, desenharmos um hexágono e terminarmos no mesmo ponto. Fomos divididos em duas equipes de quatro pessoas. As distâncias foram medidas com duas cordas. Ingenuamente uma das cordas usadas foi a minha a pedido do Vangélis assistente. Sem saber bem para que seria usada a corda, mas achando que seria para ensinar algo a respeito de nós ou encordamento, levei a corda solicitada. Na hora do jogo ele pediu a corda e não consegui me sentir confortável em dizer que não, estragar o curso e criar um clima. O resultado foi uma corda de escalada completamente embarrada que tive que lavar ao chegar em casa e de onde tirei mais de 100 espinhos com pinça.
Durante o exercício me senti de volta ao escoteiro. Quando me dei conta eu já estava sendo arrastado pela corda na tentativa de completar o exercício o mais rápido possível. Meu grupo não entendeu muito bem o propósito do exercício (praticar o que foi aprendido na aula) e fez tudo correndo para ganhar a partida. No final das contas, só um usou a bússola, dois recolheram a corda e outro ficou de ponto de referência. O outro grupo levou 3 vezes mais tempo do que nós para completar o exercício, mas todos praticaram. Depois do exercício voltamos para o refúgio já passando de uma da madrugada, para deitar e acordar no dia seguinte as 7 horas da manhã.
Acordamos como combinado, mas logo veio a aviso de relaxar. Alguns adultos do grupo das crianças estavam dormindo sobre as mesas no andar de baixo e teríamos que esperar eles acordarem para descermos para tomar café e começar a aula. Ganhamos uma hora extra de sono.
Depois do café da manhã, com chá, pão, queijo, margarina e mel, nos aprontamos rapidamente para seguir o percurso planejado na noite anterior. A rota foi totalmente didática. Traçamos a rota a partir do refúgio passando atravessando uma estrada. Depois subiríamos até o pico de uma elevação de cerca de 150 a 200 m e para depois descer pelo outro lado e chegarmos na mesma estrada que cruzáramos antes. Dali seguiríamos por uma crista até um pico com cerca de 2100 m, o Kastro. Saímos os 12 para começar o exercício mas o mal tempo fez o Vangélis assistente, a Lída, a Anastasía e o Leonídas desistirem. A Vasúla deixou o refúgio cedo pois tinha que trabalhar. A chuva fraca não foi um problema até atingirmos o ponto médio do nosso trajeto, o pico da elevação. Depois disto o vento aumentou significativamente a ponto de nos desequilibrar e a chuva também; descemos sob péssimas condições. Chovia deitado e não demorou para minha calça não impermeável ficar encharcada. Logo minha bota começou a falhar na lingueta, antes da propria água que escorria pela perna ensopar meus pés. Quando atingimos novamente a estrada não continuamos a rota até o Kastro. Não sei bem se era isto o planejado ou se não continuamos por causa da forte chuva e vento. Mas o fato é que quando o professor disse que tínhamos terminado o exercício e nos saído muito bem, o Dimítri estendeu a mão para mim e gritou "Aeee Rodrigo", celebrando a aventura, que para mim foi só mais um passeio na chuva. mas foi muito legal ver a animação dele e também dos outros. Tiramos até foto.
Voltamos ao refúgio ainda sob chuva e vento. Na chegada foi engraçado ver o Giorgos pedindo a atenção para mostrar ele virando a bota dele como se fosse um caneco para mostrar a água caindo. Troquei apenas as meias, já que em menos de duas horas começaríamos a nossa descida. Enquanto isso, eu e outros na mesma situação ficamos plantados em frente à lareira secando. Fizemos toda a descida pelo mesmo trajeto da subida, sem chuva, a qual voltou forte logo que chegamos no carro.
De maneira geral o primeiro final de semana de curso foi bom. A parte teórica, principalmente a parte de orientação foi muito boa. Uma pena que não incluíram também o uso de GPS. A parte prática deixou a desejar, mas é fato que foi prejudicada pela chuva, razão pela qual descemos do refúgio por volta de 13h30, quanto o planejado era 16h00. De toda maneira a idéia é praticarmos mais um pouco nas próximas aulas, quando o planejamento de rotas deverá ser ensinado não apenas com base no mapa, mas também com base nas condições da montanha.
O grupo é legal. Todos parecem bastante entusiasmados. O Giorgos apesar de ter mais de 20 anos ainda é um pouco crianção e levou duas ou três mijadinhas legais sobre como se comportar em equipe. O Dimítris e o Yannis apresentaram alguma dificuldade em entender a parte teórica, principalmente o triângulo de Pitágoras, mas estão entre os mais capazes para realizar trabalhos em equipe. Imagino que o trabalho deles exija este tipo de atitude. Os demais também foram bastante simpáticos e todos foram bastante atenciosos comigo, preocupados em que eu entendesse as coisas ditas em grego.
Um aspecto que preocupa é o fato de estar tarde e a próxima aula ser apenas em meados de fevereiro com introdução a escalada. Depois apenas em março iniciaremos as aulas na neve, quando pode ser tarde e nem mesmo ter neve para o curso. Para piorar a situação fiquei sabendo esta tarde pelo Kostas que o Vangélis instrutor faleceu hoje por causa desconhecida em uma montanha na região central da Grécia, provavelmente em virtude de um ataque cardíaco. Uma pena, pois ele foi muito paciente e atencioso, e era alguém que realmente sabia do que estava falando. Potencialmente o cronograma irá mudar com um novo instrutor ou até mesmo haverá o cancelamento do curso.
Fiz pouquíssimas fotos, e publicarei mais fotos quando receber a que os outros tiraram. Desculpem pela extensão do texto, mas o objetivo é registrar isto para eu me lembrar depois, e olha que devo ter esquecido de vários detalhes "interessantes".
Link para o álbum de fotos desta publicação: Curso: final de semana 1
Duas tragédias então nesse fim de semana! Primeiro o uso da corda pra um fim totalmente inesperado (imagino sua cara qdo descobriu pra que era haha) e depois o falecimento do camarada aí, uma pena. tomara que o curso continue. abraço
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