domingo, 21 de setembro de 2008

Como se eu fosse louco

"O melhor escalador é aquele que se diverte mais"
Desconheço o autor desta frase, mas li ela num folder da ACEM elaborado pelo Fabrício Mendonça. Deixando um pouco de lado a parte do "melhor", é por aí que vejo meus objetivos dentro da escalada; me divertir. Voltando agora à parte do "melhor", hoje eu estava entre os melhores do mundo, pois me diverti pra ca... e vocês já saberão porque.

Vamos pra pedreira?
Os dias chuvosos (duvidosos) dos escaladores em Florianópolis no ano de 2005, tenho convicção, foram marcados por esta pergunta. A fissura ou a loucura por escalar pode levar escaladores ao desespero em dias chuvosos. Eu mesmo fui várias vezes para a Pedreira do Abraão em dias de chuva, principalmente no verão. A expectativa era que a pedra secasse rápido (e secava) e mais de uma vez escalei, choveu, fiquei esperando secar e escalei de novo.

Depois de quase 5 meses sem chuvas em Chaniá voltou a chover no final desta semana. A manhã de hoje foi a chuva mais intensa; a primeira que molhou pra valer. Com os ânimos detonados, principalmente pelo fato de que o plano de escalada para ontem era conhecer um novo setor em Réthymno (aprox. a 1 hora daqui), me dediquei à faxina. Esqueci do tempo, mas por volta de 17h00 o sol brilhava e algumas Cumulus Nimbus no céu não pareciam ameaçadoras. Perguntei para mim mesmo "Vamos pro Monte Várdia?" Depois de um período de indecisão, verifiquei a meteorologia na internet que indicava chuva apenas para a meia-noite. A resposta foi sim!

Contato
Pode parecer bobagem, mas duas coisas me estimularam a encarar o Monte Várdia hoje. A primeira foi a curiosidade de saber o quão rápido a pedra secaria, e se a parte com o teto molhava em dia de chuva. Praticamente a parede toda estava seca, com alguns pontos molhados, evidentemente, em partes planas e em fendas por onde a água escorre, inclusive em algumas partes do teto onde se forma uma caverna na pedra (e não no chão). A segunda motivação pode parecer mais bobagem ainda, mas para mim é algo que faz total sentido e, de fato, minha experiência diz que funciona.

Quando eu treinava natação, meu treinador dizia que mesmo doente ou lesionado, o ideal era o atleta freqüentar a piscina, para que o corpo, principalmente a palma da mão, mantivesse o contato com a água. Acho que para a escalada vale o mesmo e um pouco mais. Mesmo que as chances de escalar sejam pequenas, ou que a pedra molhada permita escalar poucas coisas, vale ir no setor só para ter contato com a pedra e com o ambiente. Só a caminhadinha do carro até a pedra, sentindo o cheiro da terra molhada (e de cocô de ovelha) já fez valer a ida.

Equipamento básico
A expectativa de encontrar alguém era zero. Resolvi levar apenas minha mochila "auxiliar", uma Mateiro 10 da Kailash, com o mínimo necessário: saco de magnésio REI (com magnésio), par de sapatilhas Anhangava da Snake ano 1996 ressolada, 750 ml de água da torneira, máquina fotográfica Fujifilm Finepix A200 2.0 Mega Pixels, lanterna de cabeça Tikka Plus Petzl, celular, documentos e um guarda-chuva (tenho um Anorak, mas neste caso um guarda-chuva era melhor). Como a temperatura no meu jardim era de 20 graus Celsius (pelo menos 10 graus a menos do que o mesmo horário uma semana atrás) e estava fresco, levei a tiracolo um fleece Trilhas e Rumos. O fleece se mostrou desnecessário e como saí antes do sol se pôr não precisei da lanterna. Ninguém pediu meus documentos e ninguém me telefonou... O resto foi indispensável!

Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Música dos Mutantes que já foi gravada por outros e fez sucesso numa propaganda da APAE (SC?), bem que poderia compor o primeiro parágrafo desta publicação. Mas coloquei ela por outro motivo. Uma coisa que me faz rir e já vi que acontece com muitas pessoas, é a tarefa de colocar a máquina para fazer uma foto automática e sair correndo para aparecer na foto (pena que hoje já tem algumas com controle remoto). Em geral eu rio, independente dos tropeços de quem (mesmo eu) corre para aparecer na foto.

Em janeiro de 2005 vim para a Grécia pela primeira vez, sem nem sonhar que voltaria um dia para fazer doutorado. Apesar de ter trazido um equipo básico, não consegui escalar daquela vez, até mesmo porque choveu direto. Modifiquei as datas das minhas passagens para depois de 10 dias de trabalho, ir passear em Atenas e depois ir à Madri me encontrar com o Octávio, que morava em Portugal. Em Atenas sozinho, inverno, chovendo, diversas vezes faltou outro turista de bom coração para tirar fotos minhas. Só me restou apelar para as fotos automáticas. Em algumas ocasiões durante o processo, de posições estranhas para posicionar a máquina, de sair correndo, sozinho e rindo, eu era surpreendido por pessoas que me viam e riam, como se eu fosse louco...
Voltando ao "presente", cheguei ao Monte Várdia e me faltava um estímulo para começar a me "pendurar". Resolvi fazer fotos. Fiz uma pequena panorâmica da parte de tetos, onde concentrei minha escalada hoje. Achei que não poderia fazer mais do que isso, pois estava sozinho, mas a minha poderosa máquina fotográfica de 2 MP faz fotos automáticas! Lá estava eu correndo e rindo feito um louco tirando fotos automáticas, mas sem ninguém ver. Estava sozinho e mesmo assim me diverti!

Treino de potência
Não sei se para a escalada é assim, mas quando eu treinava natação, as séries de potência duravam cerca de 45 minutos e podiam ser, por exemplo, 6 tiros de 75 m a cada 7 minutos. Ou seja, eram esforços de curta duração com descanso grande. Por conta das fotos, durante boa parte da escalada de hoje foi isso o que fiz. Preparava a máquina, saía correndo, escalava o mais rápido que conseguia e esperava a foto bater. Nem sempre esperava a foto bater, pois a máquina era mais rápida que eu. Enquanto planejava a próxima foto ou me preparava para repetir uma que deu errado, descansava um pouco. O duro era correr por cima de cocô de ovelha e depois não patinar o pé na pedra... Suei bastante por causa da corrida e os braços cansaram bastante por conta dos negativos.

O sertão vai virar mar
Dá no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão

Não gosto deste estilo "cult" de ficar falando de música e etc., mas vou fazer isso pela segunda vez nesta publicação. Conheço esta música por causa de um dos discos "Um Barzinho, um Violão", na participação do Biquini Cavadão. E gosto da música. Esta parte de tetos do Monte Várdia, que deve ter algo como 20 metros de largura, tem uma variação enorme do tipo de pedra (pretendo no futuro publicar detalhes sobre a geologia de Creta). Difícil descrever como são estas variações, mas variam de partes lisas parecendo mármore a partes que parece que a superfície foi forrada com espinhos grandes. Algumas partes são extremamente arenosas e frágeis. Principalmente nesta parte e em suas proximidades, estão evidências incontestáveis, até para um ignorante como eu, que ali já foi mar. A superfície do material em vários pontos parecem um aglomerado de conchinhas, corais e cracas. Em um lugar próximo a uma boa agarra, em uma parte um pouco mais firme da rocha, fotografei uma concha incrustada na pedra. Evidências assim, a Anamaria também encontrou em Kalathás.

Fechem as porteiras!
Ao contrário das últimas vezes que fui no Monte Várdia a "porteira" estava fechada. Abri, entrei e fechei, como ditam os bons costumes. Estava fotografando a pedra, já depois de pelo menos uma hora por lá, e chegou um pastor com o filho pequeno trazendo as ovelhas. Ele me perguntou alguma coisa que não entendi, mas puxei a conversa tentando lembrá-lo que a primeira vez que fomos lá encontramos ele. E ele lembrava, até que eu era da América. Ele continuou o pastoreio e depois deixou o resto na mão do filho e conversamos um pouco sobre o que eu fazia aqui, quando minha mulher voltava do Brasil, entre outras coisas. Contando isto parece que sou um sabidão de grego, mas a verdade é que sou um "analfabeto" e apesar de saber o jeito certo de dizer algumas coisas, durante a conversa conjugo e declino tudo errado. Mesmo assim nos entendemos. Como da outra vez que encontrei com ele, reforçou que é para manter as porteiras fechadas e pediu para eu avisar os outros.

Manda para mim?
Acabei tirando umas fotos das ovelhas, e uma foto do menino com um filhote indo atrás do resto. O menino gostou da idéia, fez pose e disse para eu tirar outra! Depois o pai dele veio e me pediu para enviar a foto para eles. Quem sou eu para dizer que não? Ele manda ali e ainda por cima poderia ter uma arma! Como eu não tinha caneta, e nem ele, combinamos que ele deixaria um papel no para-brisa do meu carro. Dito e feito, cheguei na carro, peguei o papel no para-brisa e olhei para ver se conseguia entender o endereço de e-mail dele. Ele me deu o endereço de casa!

A mais fácil virou um desafio
Depois de escalar nos tetos por várias vezes, tentando agarras e posições diferentes, e de ter brincando um pouco em umas travessia, o sol começava a baixar "rapidamente" e os efeitos do cansaço começavam a aparecer. Fui tentar as últimas duas vias à direita da parte com tetos e acabei dando de cara com o "boulder" número 6, chamado Τρολλ (Troll). Nunca tinha escalado, nem notado ele, mas parecia fácil, muito fácil. Não tinha o guia para conferir a graduação e resolvi encarar. Saiu facinho, sem pensar, sem fazer força. Definitivamente, a via mais fácil do Monte Várdia (mais tarde, em casa conferi no guia, e era para ser um V+ [UIAA], ou um Vsup/6 [brasileiro], as graduações ali estão "todas" erradas!). Enfim, inspirado, fui verificar os recursos de filmagem da máquina: 20 s de filme. Estava definido o desafio. Filmar a escalada, que deveria acontecer em menos de 20 s. Além da primeira ascensão, tentei outras duas filmando, mas sempre me enrolei em algum ponto e não consegui "vencer" o desafio. Por fim estava tarde, algumas agarras estavam molhadas, e o tempo voltava a fechar; resolvi parar por aí. Vejam vocês mesmos as duas tentativas:

Link para o álbum desta publicação: Como se eu fosse louco

4 comentários:

  1. Anamaria, volte logo pra Grécia, tem alguém por lá ficando atordoado! hahaha.
    Queria ver o vídeo das quedas pelo caminho também!
    falo

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  2. o vídeo tá ótimo!
    pelo visto não estou fazendo falta nenhuma!
    beijo!!

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  3. Maravilha hein..

    Andas sozinho por aí então ? Como o mundo não acabou ainda acho que já posso ficar mais tranquilo, eu imaginaria que tu umas duas semanas sozinho seria capaz para estragos sem precedentes..

    Abraços

    Dylon

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  4. Parabéns pela iniciativa.
    Escalar sozinho não deve ser animador, pelo menos até sair de casa; mas pelas fotos, vejo que desenvolves a passos largos a habilidade de ser feliz em qualquer circunstância.
    As fotos não são boas, preciso ser sincero. Mas a idéia e a boa vontade compensam.
    Parabéns mais uma vez, amigo.

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